Por Cristina Pimentel
“Pensatala lege, pensata la malicia, disse o italiano; que não há lei, nem traça degoverno tão considerada, a que a consideração da malícia e especulação dodiscurso interessado não dêem alcance, para perverter e torcer a seu intento.”(Anônimo do séc. XVIII. Arte de furtar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1992, p. 54)
O veto do Prefeito Mirinho Bragaao aumento de 6.36%, aprovado no Legislativo, para o funcionalismo público traduza ausência de uma política de valorização dos servidores municipais. Ajustificativa para o veto e o percentual de 5% oferecido pelo Executivo “perverteme torcem a seu intento”, tudo bem apropriado à atual gestão (ou falta dela).
Atribuir à ASFAB aresponsabilidade pela ausência de um melhor reajuste e pela não conclusão doPlano de Carreira é a regra, já sem surpresas, de uma gestão que tem recorridoao fascismo para tratar o funcionalismo municipal, em que o diálogo estáaberto, desde que propostas alucinógenas não sejam questionadas. A democraciavem sendo invariavelmente encenada e não praticada.
Sim, a atual diretoria da ASFABnão está isenta de críticas. A falta de transparência na transformação da Associaçãoem Sindicato e no processo eleitoral para renovação da diretoria; o fato de queparentes de diretores teriam cargos ou empregos na Prefeitura, em parte,comprometem a autonomia necessária a uma gestão sindical. Em que peses seuslimites, a ASFAB tem se empenhado para promover debates e avançar na questão doPlano de Carreiras, entre outros pleitos da categoria.
No entanto, este esforço tem sedeparado com o completo desprezo do Chefe do Executivo. Se não vejamos. Emdezembro do ano passado, os servidores do quadro auxiliar do Ministério Públicodo Estado do Rio de Janeiro tiveram seu plano de carreira apreciado pelaAssembléia Legislativa. Da apresentação de emendas à votação final, DeputadosEstaduais subtraíram algumas conquistas importantes que diziam respeito à ascensãodaqueles servidores.
As coisas são assim. Nem semprese ganha ou se perde tudo, porque a tal da democracia nos obriga a umpermanente estado de negociação, de luta e de vigília. No entanto, nessatrajetória de negociações, que durou cerca de 5 anos, dois aspectos merecem serdestacados. O primeiro é que o Procurador-Geral de Justiça do Estado empenhou-se,pessoalmente, ao lado da Associação dos Servidores, para que o novo planorefletisse o desejo de valorização do próprio Procurador. Em inúmeras reuniões,foi ele mesmo que protagonizou esse desejo, rejeitando muitas propostas,revendo outras às quais concedeu a devida razão aos servidores, e aceitandotantas outras.
Aqui em Búzios, bem diferente, o Chefe doExecutivo grita e bate na mesa, humilhando servidores públicos. Tão desprezívelquanto isso, delega tão importante processo a uma verdadeira “traça de governo”.
Outro aspecto não menosrelevante foi o fato de que o texto encaminhado à Assembléia Legislativa foiresultado do trabalho da Associação dos Servidores do Ministério Público, ou seja,o Procurador-Geral de justiça trabalhou, nos últimos 3 anos, sobre o textoproposto pela Associação dos Servidores e não o contrário, o que é bemdiferente do que está acontecendo no Município de Búzios.
Qualquer cidadão que queira lera proposta do Executivo, disponível no site da ASFAB, para o funcionalismomunicipal, concluirá que aquilo, entre outros problemas, se trata dedesvalorização e não de valorização, e onde são impostas derrotas inaceitáveisaos servidores concursados, com o agravante de que, na última assembléia,servidores descobriram que o Executivo já havia feito várias alterações, semsequer comunicar à Entidade.
Numa ótica ingênua, isso poderiarevelar o mais profundo obscurantismo da atual gestão, em termos de democracia.Numa ótica mais realista, revela as intenções desta gestão: consolidar umapolítica permanente de empreguismo, com grande parte dos quadros da Prefeiturade contratados e comissionados e onde os recursos sempre faltarão para amerecida valorização de quem prestou concurso público para o emprego público. Eé assim que os serviços públicos oferecidos à população são de qualidade cadavez pior, em todas as áreas.
Existe, no Brasil, uma formação discursiva dedesvalorização do servidor público. O cidadão desavisado não consegue ver ounão quer ver que são as gestões políticas as responsáveis pela destruição damáquina pública. Enquanto a sociedade não rejeita o que deveria ser exceção enão a regra, os interessados nesse crime contra o contribuinte vão “pervertendoe torcendo tudo a seu intento”, já que, para eles a distribuição do empregopúblico, a despeito do artigo 37 da Constituição, não é crime, é a regra.
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